Resta, acima de tudo essa capacidade de ternura
essa intimidade perfeita com o silêncio.
Resta a voz íntima pedindo perdão por tudo.
Perdoa...
Resta esse antigo respeito pela noite
esse falar baixo
essa mão que tateia antes de ter
esse medo de ferir tocando
essa mão cheia de mansidão
para com tudo o que existe.
Resta essa imobilidade
essa economia de gestos
essa inércia cada vez maior ante diante do infinito
essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
essa irredutível recusa a poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons
essa tristeza diante do cotidiano
ou essa súbita alegria ao ouvir na madrugada
passos que se perdem sem memória
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
essa cólera cega em face a injustiça e do mal entendido
essa imensa piedade da minha inútil poesia
da minha força inútil.
Resta esse sentimento da infância subitamente
desentranhado de pequenos absurdos
essa tola capacidade de rir à toa
esse ridículo desejo de ser útil
e essa coragem de comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade,
essa vagueza de quem sabe que tudo já foi,
como será e virá a ser.
E ao mesmo tempo esse desejo de servir
essa contemporaneidade com o amanhã
dos que não tem ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar,
de transfigurar a realidade, dessa incapacidade
de aceitá-la tal como é
e essa visão ampla dos acontecimentos
e essa impressionando e desnecessária
e essa memória anterior de mundos inexistentes
e esse heroísmo estático
e essa pequena luz indecifrável
a que às vezes os poetas tomam por esperança.
"Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente"
e essa coragem e ao mesmo tempo esse terrível medo
de renascer dentro da treva.
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade.
Resta esse eterno morrer na cruz e
esse eterno ressuscitar para ser recrucificado...
***
"Mas quando eu estiver morto, suplico que não me mate
...dentro de ti...!"
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