Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos,
a alegria como quando se sente a garganta um pouco
seca e se vê que, por admiração,
se estava de boca entreaberta:
eles respiravam de antemão o ar que estava à frente,
e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo,
falavam e riam para dar matéria peso
à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles
-a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras -
a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estar juntos!
Até que tudo se transformou em Não.
Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles.
Então a grande dança dos erros.
O cerimonial das palavras desacertadas.
Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas,
e quanto mais erravam,
mais com aspereza queriam, sem um sorriso.
Tudo só porque tinham prestado atenção,
só porque não estavam bastante distraídos.
Só porque, de súbito exigentes e duros,
quiseram ter o que já tinham.
Tudo porque quiseram dar um nome;
porque quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que,
não se estando distraído, o telefone não toca,
e é preciso sair de casa para que a carta chegue,
e quando o telefone finalmente tocar,
o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos...
(Clarice Lispector)
***
"Alguém me disse: quando somos sinceros demais
com os nossos sentimentos,
ficamos tão transparentes, que o outro não nos enxerga."
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